O tráfico de drogas é a segunda maior causa de internação de adolescentes (24%), atrás apenas de roubo (36%), segundo dados do CNJ de 2020.Desde 1999, a atividade está listada entre as piores formas de trabalho infantil, como estabelecem a Convenção 182 e a Recomendação 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), das quais o Brasil é signatário. Com o objetivo de disseminar informações acerca dessa temática e permitir que especialistas de outras partes do mundo compreendam a abordagem brasileira, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lança nesta sexta-feira (22/9) traduções em inglês e espanhol do Manual para Incidência da Temática do Tráfico de Drogas como uma das Piores Formas de Trabalho Infantil.
A versão original em português do manual foi lançada em dezembro de 2021, meses depois de julgamento de um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal, em que o ministro Edson Fachin, ao citar a Convenção 182, reafirmou o entendimento e pontuou que “crianças e adolescentes envolvidos na atividade de tráfico de drogas são, em verdade, vítimas da criminalidade e da ineficiência do Estado, da família e da sociedade em protegê-los e assegurar-lhes os seus direitos fundamentais”.
O juiz auxiliar da Presidência e coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), Luís Lanfredi, ressalta que os manuais trazem uma análise do contexto legal sobre a política de drogas brasileira e a criminalização dos jovens nesse mercado. “Esses manuais são uma ferramenta importante para contextualizar a questão e trazer argumentos para juízes e juízas que têm lidado com a temática, em um momento em que a questão das drogas se coloca ainda mais em evidência com o julgamento em andamento no Supremo Tribunal Federal sobre a descriminalização do porte para consumo próprio. Espera-se, com as traduções para inglês e espanhol, que o entendimento do Conselho Nacional de Justiça seja inspiração para outros países, ampliando, cada vez mais, a noção protetiva sobre esses adolescentes”.
A elaboração do manual e suas traduções fazem parte das iniciativas do programa Fazendo Justiça, coordenado pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) para superar desafios estruturais dos sistemas de privação de liberdade no Brasil. Durante um ano, o DMF do CNJ coordenou uma ação que envolveu mais de 24 especialistas, reforçando a importância de aplicar a tese da OIT já internalizada nas leis brasileiras e aprimorar a entrada no sistema socioeducativo.
“O artigo 227 da nossa Constituição Federal determina que os direitos e o melhor interesse de adolescentes devem ser garantidos com prioridade absoluta por família, sociedade e Estado”, pontua o juiz auxiliar da presidência do CNJ com atuação no DMF Edinaldo César Santos. “É, portanto, fundamental que olhemos para a questão do trabalho infantil no mercado ilícito de drogas considerando o melhor interesse deste adolescente, para superação das desigualdades, garantindo e criando estratégias para sua proteção contra qualquer forma de exploração”, aponta o juiz.
Na prática
A análise apresentada no manual reconhece os danos causados pelo envolvimento de crianças e adolescentes no mercado ilícito de drogas e busca aprimorar o tratamento dado aos autores de atos infracionais. Estudos nessa área revelam que crianças são exploradas nessa atividade, muitas vezes trabalhando em jornadas de até 12 horas nas posições mais baixas da hierarquia, com remuneração mínima e grande exposição aos riscos de confrontos armados.
Juíza da 4ª Vara do Juizado da Infância e Juventude de Porto Alegre, Karla Aveline de Oliveira, viu uma de suas sentenças viralizar Brasil afora. O documento trazia o poema Vida Loka, de Sergio Vaz, para justificar a decisão em favor de um adolescente acusado de tráfico, tipificando a prática como trabalho infantil. “Como impor medidas socioeducativas para quem não teve nada? É o Estado que está em conflito com a lei ou o adolescente? Depois que faltou tudo, mandam para a Justiça. E a Justiça não pode funcionar na base do: ‘vamos prender todo mundo que resolve’”.
Aveline conta que teve contato com essa argumentação em 2019. “Fiquei tão impressionada que fui fazer mestrado no tema, para entender o silêncio da magistratura a respeito desse entendimento”, diz. Desde então, ela usa a argumentação como parâmetro para suas decisões no âmbito do socioeducativo. “O direito tem que servir para alguma coisa que não seja a manutenção das violências”, finaliza.
A coordenadora do eixo socioeducativo do Fazendo Justiça, Fernanda Givisiez, explica que as normativas internacionais, ratificadas pelo Estado brasileiro, indicam que adolescentes autores deste tipo de ato infracional devem ser atendidos, principalmente, sob a ótica protetiva. “São inúmeros direitos violados ao longo da vida, sobretudo adolescentes negras e negros, provenientes de famílias em situação de pobreza e miséria, conforme indicam os dados nacionais. O trabalho infantil no tráfico de drogas ocasiona prejuízos não apenas para os adolescentes, como também para a sociedade. Daí a importância de se pensar, de forma conjunta, estratégias para enfrentar essa questão”.
Traduções
Além do manual sobre tráfico de drogas e trabalho infantil, o CNJ, por meio do Fazendo Justiça, empreende um esforço de tradução de diversos materiais técnicos que auxiliam na difusão de conhecimento e subsidiam a tomada de decisão por parte de juízes, juízas e demais atores do sistema de Justiça. Acesse a página de publicações do programa e navegue pelas traduções para o inglês e o espanhol de produtos relacionados às temáticas penal e socioeducativa.
Texto: Renata Assumpção
Edição: Nataly Costa e Débora Zampier
Agência CNJ de Notícias