Procuradora do MPT critica PEC de trabalho aos 14 anos

Por: Lilian Tahan e Ana Karolline Rodrigues / Metrópoles

Em entrevista à Grande Angular, coluna do Portal Metrópoles, a procuradora do Trabalho e coordenadora nacional de Combate ao Trabalho Infantil, do Ministério Público do Trabalho (MPT), Ana Maria Villa Real, disse que a PEC nº 18/2011, se aprovada, tornará mais precária a formação de jovens e aumentará o trabalho infantil no Brasil.

“Se essa PEC passar, o que vai acontecer é que as empresas ficarão desobrigadas à cota de aprendizagem e também não vão contratar adolescentes. Eu vejo que isso vai ter um impacto seriíssimo no aumento do trabalho infantil no país”, afirmou.

A PEC nº 18/2011 está pronta para ser pautada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Logo que o assunto voltou à tona no ano passado, procuradores do Ministério Público do Trabalho promoveram força-tarefa para apresentar aos deputados suas razões para a rejeição da matéria.

Confira a entrevista com a procuradora do Trabalho Ana Maria Villa Real:

O que os dados mais recentes mostram a respeito do trabalho infantil no Brasil?
Primeiro, os dados do IBGE de 2019 mostram que o trabalho infantil tem cor, renda e classe social. Realmente, são crianças ou adolescentes das comunidades periféricas. Em relação aos dados do MPT, houve diminuição de denúncias nos últimos anos. Acho que a própria pandemia trouxe isso, de uma forma geral. Mas a vida real, a vida como ela é, nos semáforos, está mostrando outra realidade: o trabalho infantil aumentou demais, em razão da crise econômica, do desemprego, da informalidade e da evasão escolar, que ficou muito elevada. O adolescente que deixa a escola vai trabalhar na informalidade, ou seja, na situação de trabalho infantil. É uma violação de direitos muito grave, embora com pouco visibilidade e naturalizada pela sociedade, de uma forma geral.

Qual é o impacto do trabalho infantil para a criança ou o adolescente?
A primeira coisa que a sociedade precisa entender é que criança e adolescente não são miniadultos. Eles são diferentes. São pessoas em formação, em todas as perspectivas: psicológica, moral, física, biológica. É evidente que há uma visão classista e racista, que acha que os filhos de famílias pobres, de baixa renda e negras, em maioria, precisam trabalhar para sustentar a família, em inversão de valores, como se a família em vulnerabilidade não pudesse ser assistida pelo Estado. A sociedade às vezes vê até como “mi-mi-mi” o roubo da infância, porque existe o mito de que o trabalho infantil enobrece, dignifica, forma caráter, tira a criança do ócio, evita que a criança vá para a criminalidade e para o mundo das drogas. A criança não é vista como sujeito de direitos, mas ela tem direitos fundamentais ao lazer, ao esporte, à cultura e às políticas públicas que o Estado não dá para que possa se desenvolver como os filhos das famílias de classe média e abastadas.

Tramita no Congresso a PEC nº 18/2011, que permite trabalho aos 14 anos. Qual é será o impacto dessa medida, caso aprovada?
A PEC traz a redução da idade mínima, sob o eufemismo do trabalho em tempo parcial para adolescentes acima de 14 anos. Hoje, o adolescente de 14 a 16 anos só pode trabalhar na condição de aprendiz. Então, o que a PEC faz é retirar a condição exclusiva de aprendizagem e dar a possibilidade do trabalho parcial. Para alguns parlamentares, esses dois contratos se igualam, mas, na verdade, são totalmente distintos.

Por que o jovem aprendiz é diferente do trabalho parcial proposto pela PEC nº 18/2011?
O contrato de aprendizagem é triangular: envolve o aprendiz, a empresa e a entidade qualificadora. Esse modelo prepara o adolescente para o mundo do trabalho, ministra a qualificação técnico-profissional, de acordo com a peculiar condição de desenvolvimento dele. Então, as tarefas são de complexidade progressiva, e o adolescente está sendo assistido. O trabalho em tempo parcial não tem esses benefícios. O adolescente não vai ser qualificado. Vai fazer um trabalho qualquer, burocrático, mecânico, automático, sem que aquilo ali agregue na sua formação escolar e profissional. As empresas não gostam de contratar adolescentes, mesmo como aprendiz. Se essa PEC passar, o que vai acontecer é que as empresas ficarão desobrigadas à cota de aprendizagem e também não vão contratar adolescentes. Eu vejo que isso vai ter um impacto seriíssimo no aumento do trabalho infantil no país. Nós defendemos, arduamente, com base em evidências, que a aprendizagem profissional é um instrumento de prevenção e erradicação do trabalho infantil. Não à toa, aprendizagem está prevista no III Plano Nacional de Prevenção ao Trabalho Infantil, em diversos eixos, como um instrumento vital ao enfrentamento do problema.

Qual é a melhor forma de enfrentar o trabalho infantil?
Lugar de criança é na infância, como um todo. É na escola, na família, na comunidade, no esporte, na cultura, no lazer. São essas as atividades que as crianças e os adolescentes têm de exercer para se desenvolverem de forma plena, sadia, harmônica, como reza a convenção sobre os Direitos da Criança e a Constituição Federal. A gente precisa respeitar a infância. A solução está na educação. A Convenção da OIT (Organização Internacional do Trabalho) estabelece que a idade mínima do trabalho tem de coincidir com o fim do ensino obrigatório, que, no Brasil, é com 17. Na verdade, a nossa idade mínima deveria ser 17 anos e não 16 anos. E, agora, se pensa em um retrocesso como esse, de permitir trabalho aos 14 anos.

Fonte: Metrópoles

Visualizações: 0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *