A saúde mental infantil é importante para toda a vida da pessoa. Afinal, os primeiros anos funcionam como uma base para todas as aquisições que o cérebro fará nos anos seguintes. É também nesse período que surgem os primeiros sintomas de transtornos que podem se agravar na vida adulta.
Dentro deste nosso ambiente de prevenção e combate ao trabalho infantil, o momento o Setembro Amarelo é de grande importância para discutir as consequências dele para a saúde física e mental de crianças e adolescentes.
O argumento que “trabalho enobrece” é usado por muitos para defender que crianças e adolescentes trabalhem. Mas, é preciso observar que ele não leva em conta os impactos e as consequências que estão sujeitos os milhões de meninos e meninas que trabalham. Adultos e crianças são muito diferentes fisiológica e psicologicamente.
Na infância, a criança encontra-se num processo grande e muito importante de desenvolvimento. Muitas vezes o que acontece na vida dela pode gerar impactos permanentes.
Os impactos variam de acordo com a criança, com o trabalho que exerceu, com a aceitação sociocultural, entre outros pontos. Muitas dessas crianças e adolescentes estão perdendo a sua capacidade de elaborar um futuro. Isso porque podem desenvolver doenças de trabalho que os incapacitam para a vida produtiva, quando se tornarem adultos – uma das mais perversas formas de violação dos direitos humanos.
Além disso, muitos deles não estudam, não têm direito a lazer e a um lar digno e são jogados à sorte, sem perspectiva de vida futura. São meninos e meninas coagidos a trabalhar em atividades que envolvem riscos físicos e psicológicos, podendo os impactos serem irreversíveis.
Além da perda de direitos básicos, como educação, lazer e esporte, as crianças e adolescentes que trabalham costumam apresentar sérios problemas de saúde, como fadiga excessiva, distúrbios do sono, irritabilidade, alergias e problemas respiratórios. No caso de trabalhos que exigem esforço físico extremo, como carregar objetos pesados ou adotar posições antiergonômicas, podem prejudicar o seu crescimento, ocasionar lesões na coluna e produzir deformidades.
Fraturas, amputações, ferimentos cortantes ou contusos, queimaduras e acidentes com animais peçonhentos, por exemplo, são comuns em atividades do tipo rural, em construção, em pequenas oficinas, na pesca e em processamento de lixo. Devido a pouca resistência, a criança está mais suscetível a infecções e lesões em relação ao adulto. É comum que meninos e meninas não apresentem peso ou tamanho suficiente para o uso de equipamentos de proteção ou ferramentas de trabalho, destinados a adultos, levando muitas vezes à amputação de membros e até à morte.
As crianças e adolescentes se acidentam seis vezes mais do que adultos em atividades laborais e pelo menos três se acidentaram por dia trabalhando no Brasil, de 2009 a julho de 2011. Nesse período, no mínimo 37 crianças morreram trabalhando, sendo que uma delas não chegou sequer aos 13 anos. Esses dados referentes a acidentes com pessoas com menos de 17 anos foram coletados pelo Ministério da Saúde, a partir de comunicação de hospitais e postos de atendimento. Vale lembrar que, crianças e adolescentes estão sujeitos a acidentes de trabalho que não são devidamente percebidos pelo sistema de saúde, já que a notificação é precária por se tratar de trabalho ilegal.
Dependendo do tipo e do contexto social do trabalho, os impactos psicológicos na criança e no adolescente são muito variáveis, especialmente na capacidade de aprendizagem e em sua forma de se relacionar. Nesse sentido, os abusos físico, sexual e emocional são grandes fatores para desenvolvimento não só de doenças físicas, mas inclusive psicológicas. Trabalhos como tráfico e exploração sexual, por exemplo, considerados piores formas de trabalho infantil, trazem uma carga negativa muito grande no psicológico e na autoestima.
Outra questão é quando a criança é responsável pelo ingresso de uma parte significativa da renda familiar. Em vez de brincar, atividade extremamente necessária para seu desenvolvimento, ela se torna, de certa maneira, chefe de família, representando uma inversão de papéis. Tal inversão pode causar dificuldade na inserção em outros grupos sociais da mesma idade, porque possui assuntos e responsabilidades muito além da idade adequada. Seus referenciais passam a ser semelhantes aos dos adultos, sendo comum que meninos e meninas que trabalhem tenham mais facilidade de se relacionar com adultos do que com pessoas da sua própria idade.
No âmbito da educação, as crianças e adolescentes que trabalham, em geral, apresentam dificuldades no desempenho escolar, o que leva muitas vezes ao abandono dos estudos. Isso acontece porque eles costumam chegar à escola já muito cansados, não conseguindo assimilar os conhecimentos passados para desenvolver as suas habilidades e competências.
É o que mostra os números do estudo “Trabalho Infantil e Adolescente: impacto econômico e os desafios para a inserção de jovens no mercado de trabalho no Cone Sul”, realizado pela Tendências Consultoria, apoiada pela Fundação Telefônica.
No caso de jornadas de 36 horas semanais, a evasão escolar pode chegar a 40%. Já a queda no rendimento, para a mesma carga de trabalho, varia de 10% a 15%, dependendo da série. Alunos da 8ª série do ensino fundamental que trabalham quatro horas por dia têm queda de cerca de 4% no desempenho em Português e Matemática, se comparados aos que não trabalham.
Ou seja, para as crianças que continuam na escola, quanto mais tempo ela trabalha, menores são suas notas. Isso não só faz com que fiquem desestimuladas, como compromete a entrada no mercado de trabalho futuramente, uma vez que ela não terá o rendimento necessário suficiente para quebrar esse ciclo vicioso.
Outra questão é a exploração da mão de obra por parte das empresas. As crianças nessas condições ganham muito menos do que um adulto. Além da informalidade, são mais dóceis e tem menos chances de se rebelarem e exigirem direitos, por exemplo. Esse tipo de mão de obra é barata, o que, para as empresas, significa economia. Assim, cria-se outro círculo vicioso, o do uso do trabalho de crianças na competição entre empresas, exatamente para baratear os custos.
Fonte: Fundação Promenino