Trabalho escravo infantil: invisibilidade e a realidade brasileira

Artigo oportuno neste dia 28 de janeiro, Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo

Maurício Krepsky Fagundes Auditor-Fiscal do Trabalho, chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (DETRAE) e coordenador do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM). Graduado em Física pela Universidade de Brasília.

Rafael Lopes de Castro Auditor-Fiscal do Trabalho, em exercício na Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (DETRAE) e coordenador de planejamento do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM).Graduado em Direito pela Universidade Federal da Juiz de Fora.

As trajetórias das políticas públicas de combate ao trabalho escravo e de combate ao infantil no Brasil registram muitos pontos distintos, tanto históricos, quanto de iniciativas e boas práticas reconhecidas. Exemplo de política pública avançada, o seguro-desemprego do trabalhador resgatado é exemplo de ação concreta do governo brasileiro no combate ao trabalho escravo ao auxiliar temporariamente as vítimas de escravidão contemporânea.

Essa iniciativa, largamente reconhecida desde 2003, poderia ser também aplicada aos casos de resgate do trabalho infantil,  ainda   que   sob   outra   ótica, voltada para o financiamento de estudos  ou atividades  esportivas.

Hoje, o combate ao trabalho infantil encontra porta aberta na aprendizagem, o que depende de outra articulação da Inspeção do Trabalho. Entretanto, até mesmo a intersecção do trabalho escravo e infantil, a qual, naturalmente, poderia contar com mais garantias trabalhistas, encontrou entendimentos restritivos e focados nos princípios do benefício do seguro-desemprego, que, naturalmente, foi pensado e concebido para trabalhadores adultos.

Não seria necessário estar disposto na lei que o benefício poderia ser estendido também a crianças e adolescentes, uma vez que não é permitido à Administração restringir a previsão legal.

Constar na previsão abstrata da lei que crianças e adolescentes poderiam receber o benefício teria um efeito de normalizar o trabalho escravo infantil muito maior que a concessão nos casos concretos, os quais representaram 3% do total em 2021.

Da mesma forma, a previsão legal de um benefício previdenciário de auxílio-acidente não normaliza ou incentiva a ocorrência de acidentes de trabalho, mas protege aqueles trabalhadores que tenham sido vitimados.

O contorno de beneficiários, se previsto em lei, não pode ser diminuído por interpretação diversa do órgão competente para concedê-lo. Obviamente, ninguém deseja que qualquer pessoa se acidente durante o trabalho, ou que seja submetido a condições de escravidão ou que exerça qualquer uma das piores formas de trabalho infantil.

Entretanto, todos os anos, acidentes de trabalho ocorrem no Brasil às centenas de milhares, centenas de trabalhadores são resgatados de escravidão contemporânea e centenas de crianças e adolescentes são afastadas do trabalho infantil. Admitir essa realidade é o primeiro passo para mudá-la.

Além do impacto direto na sobrevivência das crianças e adolescentes, imediatamente após o resgate, a equivocada decisão de restrição do seguro-desemprego a esses trabalhadores levou, igualmente, a uma invisibilidade de dados e informações que poderiam basear as políticas públicas de enfrentamento ao trabalho escravo infantil.

Foram apresentadas informações sobre a prevalência por faixas etárias, naturalidade, escolaridade, raça, gênero e ocupação das vítimas do trabalho escravo infantil, permitindo apurar, para fins de direcionamento de políticas públicas, os perfis de crianças e adolescentes mais vulneráveis.

O levantamento de perfil das vítimas aqui apresentado é inédito, até porque as guias deseguro-desemprego utilizadas para tanto, oficialmente, não deveriam existir. Os 1.311benefícios emitidos, a partir dos quais foram levantados os dados aqui apresentados a título de amostragem, derivam de corajosa posição de Auditores e Auditoras-Fiscais do Trabalho, dissonantes das orientações oficiais que recebiam até 2017.

Assim, o estudo procurou elidir a invisibilidade histórica posta e, ao mesmo tempo, demonstrar a importância dos dados e das informações existentes no SDTR para a construção de políticas públicas que auxiliem no combate ao trabalho escravo infantil.  Sem deixar de ressaltar, contudo, que a população estatística analisada poderia ser mais expressiva, não fosse a desencontrada política restritiva aos direitos de crianças e adolescentes inicialmente adotada pela União.

Com isso, esperamos auxiliar no combate à exploração de crianças, principalmente aquelas em mais tenra idade que, em condições de trabalho inaceitáveis inclusive para adultos, acumulam para a vida adulta uma bagagem indesejável de vulnerabilidade e de normalidade de sua situação social e de direito ao trabalho.

Isso ficou comprovado pelo levantamento realizado, ao ser identificada uma taxa maior de reincidência dentre crianças e adolescentes resgatadas, maior quando comparada à de adultos.

Apesar dos poucos registros oficiais de casos de trabalho infantil, por meio das guias de seguro-desemprego de trabalhador resgatado, excetuado o período em que o benefício não existia (1995 a 2002), conclui-se que o perfil das crianças e adolescentes resgatadas guarda enorme relação com os indicadores de vulnerabilidade social e de falta de oportunidades para pessoas que estão em desenvolvimento.

Acesso o trabalho completo AQUI.

Visualizações: 4

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *