Trabalho infantil em lixões é foco de conversa na campanha infância plena

No fim de agosto deste ano, 47 crianças e adolescentes foram encontrados em situação de trabalho infantil por auditores fiscais que durante uma semana haviam percorridos feiras e lixões de quatro cidades do interior do estado do Maranhão. Este talvez tenha sido o caso mais recente noticiado, mas em uma rápida pesquisa é possível encontrar incontáveis ocorrências da mesma natureza em diferentes estados, por meses e anos a fio, pois o trabalho infantil em lixões ainda é uma das formas comuns desta violação de direitos da infância e adolescência.

O UNICEF estima que mais de 160 milhões de crianças e adolescentes sejam vítimas de exploração do trabalho infantil no mundo atualmente – uma em cada dez dessas crianças ainda se encontram em condição análoga à escravidão. Conforme o relatório Child Labour: Global estimates 2020, no mundo todo 79 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos realizam trabalhos perigosos e prejudiciais à saúde, segurança e moral. Adicionalmente, quase 28% das crianças de 5 a 11 anos e 35% dos meninos e meninas de 12 a 14 anos nessas condições estão fora das escolas.

O trabalho em lixão está entre as piores formas de trabalho infantil, de acordo com a Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil, e o Decreto n. 6481/2008 da TIP. Conforme ponderou Anne Caroline Barbosa, não raro crianças que nascem nos lixões logo se juntam aos seus familiares nesta atividade. E desde os primeiros dias de vida são expostas aos perigos decorrentes das máquinas e caminhões que despejam dejetos no local, de objetos cortantes e contaminados, poeira e alimentos apodrecidos. Além disso, estão em contato com animais como ratos e urubus e vulneráveis a doenças como leptospirose, dengue, enfermidades de pele e diarréia, entre outras complicações para a saúde.

Embora possa parecer que esta é uma realidade de cidades mais periféricas, um levantamento realizado há cinco anos pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) mostrou que o trabalho infantil em lixões ainda existia em ao menos 3.500 municípios brasileiros. De acordo com o mesmo estudo, esta é uma realidade mais frequente na Região Nordeste, onde se concentram 49% das crianças e adolescentes nesta situação, enquanto na região Sudeste o percentual é de 14% e na região Centro-Oeste, 7%. Mais de 30% daqueles em idade escolar jamais frequentaram o colégio. Uma das principais razões é o fato de precisarem ajudar a família durante a madrugada, quando caminhões de lixo chegam aos aterros e o local é liberado para catadores.

Múltiplas camadas de violência

“Os lixões são dos piores lugares em que já estive na vida. É preciso estar lá para entender a gravidade da situação”, diz a procuradora Margaret de Carvalho, que visitou um local desta natureza pela primeira vez há cerca de duas décadas. “Ninguém permanece por querer estar lá. A raiz que faz com que famílias inteiras acabem trabalhando e buscando sobrevivência ali, está na condição social”. Margaret lembra ainda que a legislação já prevê que os lixões sejam extintos, com a integração de catadores na coleta seletiva e locais como barracões para que o trabalho seja realizado em condições adequadas. No entanto, municípios ainda investem mais nas ações assistencialistas em detrimento de políticas que seriam mais efetivas e estruturantes.

O que fazer como cidadão?

Atitudes como as propostas por Anne em seus canais são algumas das ações que qualquer cidadão pode empreender para ajudar a mudar a realidade dos catadores. Como também, denúncias de lixões e locais irregulares de descarte, nos canais do Ministério Público, e a cobrança dirigidas ao poder público como prefeitos e vereadores é mais uma forma de estimular municípios a assumirem a responsabilidade por esta mudança.

A campanha Infância Plena, iniciativa do Ministério Público do Trabalho para combate e erradicação do trabalho infantil, terá duração de doze meses. Ao longo deste período, Vogue realiza mensalmente conversas com especialistas e autoridades sobre as questões mais críticas em relação ao tema e quais outros atores sociais precisam estar envolvidos no combate ao Trabalho Infantil. Também serão veiculados conteúdos informativos em todos os títulos da Editora Globo Condé Nast e no jornal O Globo.

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