O trabalho infantil não só voltou a crescer no país como tem submetido mais crianças e adolescentes a condições perigosas, ou seja, que envolvem risco de acidentes ou são prejudiciais à saúde e à moralidade. O aumento foi observado sobretudo entre as crianças de 5 a 13 anos, parcela que não pode trabalhar sob nenhum pretexto.
É o que mostra pesquisa “Pnad Contínua Trabalho de Crianças e Adolescentes”, divulgada nesta quarta-feira pelo IBGE. As informações foram coletadas em 2022.
Quase metade (756 mil, ou 46,2%) dos 1,6 milhão de menores que estavam no mercado de trabalho se encontrava em condições consideradas perigosas, ou seja, que oferecem riscos à saúde e integridade física. São crianças e adolescentes que estão em ambientes que os expõem a situações imorais ou de riscos de violência, doenças ou acidentes irreversíveis.
Este número vinha caindo desde 2016, quando a proporção de menores nestas condições estava no máximo da série, 51,3%, recuando até 45,9% em 2019. Mas voltou a subir em 2022 e o país andou alguns anos para trás, regredindo ao nível próximo de 2017 (46,2%).
Élida Azevedo Hennington, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), pondera que a OIT já observava uma tendência global de aumento do trabalho infantil em função do empobrecimento das nações, e concorda com a visão de que a pandemia foi determinante no país para agravar o cenário.
Há ainda fatores estruturais que empurram as crianças para o trabalho, como o fato de muitas mães não terem com quem deixar os filhos, além da escola muitas vezes não ter um ambiente acolhedor para essas crianças.
Ela destaca ainda o nível de acidentes entre menores de 18 anos. Levantamento da Fiocruz elaborado por Élida e outros pesquisadores aponta que, entre 2011 e 2020, foram registrados 24,9 mil casos de acidentes de trabalho e 466 mortes de menores de 18 anos em situações ligadas ao trabalho.
— O que chamou a atenção também foi o óbito em crianças tão pequenas, onde o trabalho é proibido. Se nossas crianças têm o direito de estudar e postergar o trabalho, por que a entrada precoce no trabalho que leva a acidentes e óbitos? Falta uma força-tarefa articulada, com o conselho tutelar, o ministério público, o ministério da Saúde e entidades de defesa dos direitos da crianças para tomar esta questão uma prioridade — afirma.
Alta de 50% na faixa de 5 a 13 anos
Segundo a pesquisa, a expansão do trabalho infantil perigoso foi observada entre crianças com 5 a 13 anos de idade, que somaram 158 mil em 2022, alta de 50% em relação a 2019 (105 mil). Na faixa de 14 e 15 anos são 180 mil nesta condição, nível próximo ao de 2019.
Apesar da alta entre os mais novos, a parcela de 16 a 17 anos é a que mais contém menores em trabalho perigoso: 419 mil pessoas, alta de 0,7% frente 2019.
K.A., de 16 anos, trabalha como vendedor ambulante em João Pessoa, na Paraíba. Desde os cinco, ele acompanha os pais (também ambulantes) em festas e eventos na cidade aos finais de semana. Por volta dos seis, começou a ajudá-los tanto nas compras e na manutenção da barraca, quanto nas festas, onde vendem bebidas e lanches.
— Muita gente acha que os meus pais me obrigam a trabalhar, mas eu faço isso porque gosto, fico feliz em ver a minha família conquistando as coisas e de conseguir um dinheiro extra para comprar roupas e sair com amigos. Antes de termos a barraca, era tudo muito ruim. A gente não tinha dinheiro. Mas, agora, conseguimos comprar uma casa e um carro. — diz K.A., que ganha cerca de R$ 700 a 800 por mês ajudando os pais.
Hoje, K.A. está no 2º ano do ensino médio e pretende prestar o Enem em 2024 para cursar Administração. Ele estuda em turno integral e ajuda os pais pela noite. De quinta a domingo, os acompanha nas festas, quando o expediente pode ir até às 3h da manhã. Já nos outros dias da semana, ele ajuda o pai, que compra sucata de catadores de lixo na praia para fazer reciclagem:
— Normalmente, segunda-feira é bem cansativo, porque eu chego em casa por volta das 4h da manhã das festas, já que temos que desmontar a barraca e organizar tudo, e tenho que levantar às 6h para ir para a aula — ele conta. — Nos dias de praia, acaba por volta das 21h, pelo menos. E quando tem festa na quinta, eu volto mais cedo para casa, umas 2h.
Os ‘piores trabalhos’ da lista TIP (Trabalho Infantil Perigoso)
A chamada lista TIP – Trabalho Infantil Perigoso – inclui cerca de 93 trabalhos prejudiciais à saúde e à moralidade. Na lista estão atividades como operação de tratores e máquinas agrícolas, ou no processo produtivo do fumo, algodão, cana, entre outros.
Mas há também atividades realizada por crianças e adolescentes no meio urbano – como é o caso do comércio ambulante, prevista na lista TIP e na convenção da OIT pelos riscos de violência, atropelamentos e outros acidentes de trânsito, assédio e exploração sexual e consumo de drogas, por exemplos. Veja alguns trabalhos listados:
- Operação de tratores, máquinas agrícolas e esmeris, quando motorizados e em movimento
- Produção de fumo, algodão, sisal, cana-de-açúcar e abacaxi
- Extração de mármores, granitos, pedras preciosas, semipreciosas e outros minerais
- Na produção e manuseio de explosivos, inflamáveis líquidos, gasosos ou liquefeitos
- Na fabricação de fogos de artifício
- Em matadouros ou abatedouros em geral
- Na fabricação de farinha de mandioca
- Na fabricação de manufaturas (colchões, porcelanas, cristais, borracha, bebidas alcóolicas)
- Construção civil e pesada, incluindo construção, restauração, reforma e demolição
- No manuseio ou aplicação de produtos químicos
- Em serviços externos, que coloque em risco a segurança (office-boys, mensageiros, contínuos)
- Em ruas (comércio ambulante, guardador de carros, guardas mirins, guias turísticos, transporte de pessoas ou animais, entre outros)
- Serviços domésticos
- Vendas de bebidas alcoólicas
Jornadas de 40 horas ou mais
A pesquisa revela ainda o tempo que os menores dedicaram ao trabalho irregular, deixando de lado seu tempo de lazer e outros direitos previstos na infância. Entre as crianças e adolescentes de 5 a 17 anos que estavam em situação de trabalho infantil em 2022, 20,5% delas trabalhavam 40 horas ou mais.
A lei proíbe qualquer tipo de trabalho até os 13 anos. E, segundo o IBGE, houve um salto de 2019 para 2022 entre as crianças de 5 a 13 anos que trabalhavam 40 horas ou mais. Em 2019, apenas 0,3% (menor nível da série, iniciada em 2016). Em 2022, contudo, este número foi para 1,3%.
Entre 14 e 15 anos, o trabalho só é permitido na forma de aprendiz e tem limite de 30 horas semanais para quem tem o ensino fundamental incompleto e 40 horas semanais para quem tem o ensino fundamental completo. Nesta faixa etária, 13,5% trabalhavam 40 horas ou mais – segundo maior nível desde 2016 para este grupo.
Entre aqueles com 16 e 17 anos, mais de um terço (32,4%) fazia jornadas de 40 horas ou mais – nível mais alto da série, iniciada em 2016.